Mulheres no Marketing – Um diálogo sobre gênero e lideranças

Segundo dados de 2019 da PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a população brasileira é composta por 51.8% de mulheres. Essa foi a última pesquisa populacional realizada pelo IBGE. Portanto, é o dado mais atual, apesar de certamente defasado.

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Em 2019, um estudo da Bain & Company em parceria com o Linkedin chegou ao índice de 3% das mulheres no Brasil ocupando cargos de liderança em uma pesquisa que questionava também sobre ações e medidas de inclusão como pauta prioritária dentro do debate de equidade de gênero. 

De lá pra cá, pouca coisa avançou. Lamentavelmente é possível notar até mesmo algum retrocesso diante de alguns dados atuais. Por exemplo, um estudo da B3, publicado na revista Forbes em outubro de 2021, indica que em 61% das companhias listadas na bolsa paulista, nenhuma delas têm uma única mulher no corpo executivo.

No entanto, em novembro de 2021, a revista Veja publicou uma matéria na editoria de economia afirmando que 1% de CEOs das empresas listadas na bolsa brasileira, são mulheres. Nesta mesma publicação há informações sobre um estudo da Heidrick & Struggles, que afirma que esse índice é seis vezes menor do que a taxa global.

Quando segmentamos as mulheres dentro de toda a pluralidade feminina que há, existem índices que vão a 0%. Por exemplo, Indígenas, negras, transgênero e travesti têm ainda menos espaço no universo corporativo feminino. Especialmente quando se trata de cargos de liderança.

Mulheres no Marketing – Gênero e Lideranças

Diante desses poucos dados e do amplo debate sobre equidade de gênero, que ganha cada vez mais espaço na sociedade e na mídia, Rosiane Carducci, PMO na empresa Blitz, considera “demasiado importante haver essa paridade de gênero nos cargos de liderança, tanto no setor público quanto no privado, bem como a luta pela paridade salarial.” 

Um estudo da DDI e da The Conference Board publicado na revista Forbes apresentou dados que afirmam que 20% das empresas com melhor desempenho financeiro são lideradas por mulheres. Na mesma publicação, um estudo de Harvard também aponta a liderança feminina com diferenciais significativos.  

A reflexão sobre o impacto da liderança feminina na performance de equipes e no faturamento das empresas tem ganhado a atenção de ambientes majoritariamente masculinos.

Para Marina Cosentine, Head de Marketing na Level Group, “a diversidade de gênero, assim como as demais diferenças que permeiam as minorias é muito relevante estrategicamente para as empresas. Considerando que falamos com públicos diversos em todos setores, é impossível ser assertivo tendo apenas uma opinião formada por um perfil. Por exemplo, se uma empresa, apenas com homens na liderança, vendesse coletores menstruais certamente haveria imensos problemas de comunicação e estratégia.” 

Além da questão estratégica do negócio, o perfil de liderança da mulher é diferente e se destaca do homem, por vários motivos. Para Carducci um dos pontos é a característica das mulheres terem um olhar mais atento aos detalhes. 

“Ao observar os detalhes, a líder mulher consegue enxergar o todo – e isso é muito importante para a empresa. Uma liderança de excelência deve ser capaz de enxergar diversas áreas e frentes da empresa ao mesmo tempo, e pensar na integração de todas elas – financeiro, RH, TI, Comercial, etc.” 

Nesse sentido, é possível dizer que, de modo geral, a mulher tem maior habilidade em enxergar o todo e trabalhar com essa integração. Então, a conclusão é de que a empresa se beneficia com uma liderança com esse olhar e habilidade. 

Um ponto observado por Cosentine nesse contexto é a necessidade de reparação histórica.

“É preciso acabar com os preconceitos que existem sobre as minorias. E aqui eu quero lembrar que mudança de cultura não se faz de baixo pra cima e sim de cima para baixo. Precisamos pensar com cuidado nas lideranças das empresas para “acertarmos” estrategicamente e repararmos socialmente.”

Mulheres levaram muito mais tempo que homens para conquistar direitos. Para ter liberdade para trabalhar, o direito ao voto e até mesmo a decidir com quem se casar. Houve uma época em que, para ter uma empresa, as mulheres precisavam da autorização de um homem! 

Vale lembrar que atualmente alguns países ainda não garantem esses direitos às mulheres. E ainda, que no Brasil, em setembro de 2021, houve um frenesi nas redes sociais após notícias de que alguns postos de saúde da capital paulista, e também que planos de saúde do estado de São Paulo e Minas Gerais estavam solicitando autorização aos maridos de mulheres que queriam fazer procedimento para colocação do DIU – Dispositivo Intrauterino. O DIU é um método contraceptivo e esse tipo de solicitação é uma prática ilegal. 

Marina Cosentine considera que, diante dessa constante luta por garantia de direitos que a mulher enfrenta, a liderança feminina se destaca e tem fortes diferenciais. “Nos tornamos mais aguerridas, decididas. Essas coisas nos fazem ser mais racionais. Por essas e outras damos muito valor ao que conquistamos.”

Valores, habilidades, soft skills e diversidade

A força da mulher, sem de maneira alguma querer romantizar a desigualdade de oportunidades, salários e etc, são valores. Em outras palavras soft skills que não se adquirem com certificados ou diplomas. Ou seja, quando uma mulher chega a um lugar de liderança, é essa a mensagem que ela passa. Independente do título que tenha conquistado no caminho estudantil tradicional. Marina Cosentine faz um contraponto muito interessante quando diz que suas melhores lideranças enquanto soft skills, foram de mulheres. 

“Me guiaram, conseguiram identificar o que eu tinha potencial e além de tudo criaram grande amizade. Isso é um ponto importante, sororidade. Em suma, é algo que costuma ser construído entre as mulheres e permeia o relacionamento entre líder e liderada.” 

Entretanto Marina afirma que suas habilidades de negociação, projetos e entregas mensuráveis foram mais pautadas pelos líderes homens. Contudo, a Head de Marketing ressalta que “essa é a minha experiência e eu não concordo que seja um critério definido unicamente pelo gênero. Ou seja, essa sensação é um viés inconsciente.”

Para Marcela Lucena, supervisora de marketing na Oceana Minerals, a única diferença entre a liderança entre homens e mulheres que experienciou foi quanto à personalidade e postura das pessoas. “Independente de homem ou mulher um líder não nasce líder. Mas algumas pessoas têm facilidade de liderar. E, com o tempo, se aperfeiçoa. Principalmente quando é bem liderado. A experiência, a balança entre erros e acertos, a habilidade com pessoas acredito que sejam pontos essenciais para um líder, seja mulher ou homem.”

Mulheres no Marketing Digital – Desafios e Obstáculos

Agora, direcionando esse papo mais para o setor do marketing digital, além de gênero, é importante falar sobre as múltiplas facetas da diversidade. Ou seja, travestis, pessoas com deficiência, mulheres negras, transgênero, mães solo, mulheres mais velhas, entre tantas outras. Sendo assim, é inevitável lembrar lembrar da Christiane Silva Pinto, Gerente de Marketing do Google Brasil, fundadora do Afro Googlers. 

Ao pensar na Christiane, Rosiane Carducci se posiciona considerando essa diversidade plural importantíssima. “Não apenas para departamentos de marketing e agências de comunicação, mas para todos os ramos de negócio.”

Do ponto de vista da Marina, no marketing a diversidade deveria ser mandatória. “Considero inaceitável uma equipe de marketing não diversa. Estrategicamente isso não é inteligente. As empresas precisam entender que só vão falar com todos os públicos, vendo o ponto de vista de todos.” Ou seja, é preciso ter repertório e protagonismo para determinados assuntos. Por exemplo, uma mulher branca não sabe a dificuldade que uma mulher negra tem no mercado de trabalho. Assim como uma pessoa cisgênero não tem protagonismo para falar sobre os obstáculos que pessoas trans enfrentam para conquistar “um lugar ao sol”. 

“Os históricos de vida trazem referências diferentes, que pessoas diferentes se somam e pessoas iguais se subtraem ao mesmo de sempre.” – comentou a head de marketing da Level Group.

Lucena considera que acima de tudo “a diversidade de opiniões e experiência de vida contribuem consideravelmente para o desenvolvimento de uma organização.” 

Basta uma busca básica no google ou 5 minutos de pesquisa informal nas redes sociais para identificar que, dentre os maiores desafios e obstáculos apontados pelas mulheres, em um contexto geral, o Top five dessa lista são:

  • Preconceito com padrão de beleza 
  • Idade 
  • Machismo 
  • Maternidade 
  • E, ter que provar a todo momento que é competente

Por fim, perguntamos a todas as entrevistadas se gênero é um fator determinante na decisão delas na hora de uma contratação, considerando que o candidato e a candidata possuem as mesmas qualificações e habilidades. Três entrevistadas disseram que não. Contudo, tendo as mesmas habilidades, capacidades técnicas e etc, duas entrevistadas consideraram que sim o gênero seria fator de desempate. “Penso que faz parte da sororidade. ‘Uma sobre, puxa a outra’”. – comentou uma delas que preferiu não se identificar.